Fechando algumas lacunas sobre o Sargento Thomas N. Browning.

 

Sargento Thomas N. Browning.

Causador de grande mistério e especulações das mais variadas, o túmulo do Sargento Thomas N. Browning - o único militar americano a permanecer sepultado em Natal - é motivo de curiosidade para os potiguares que descobrem a sua existência. Mas logo a curiosidade é seguida pela surpresa pelo estado em que está o túmulo do sargento americano, totalmente abandonado.

O fato do Sargento Browning ter permanecido em Natal é motivo de relativa discussão, tanto sobre a causa de sua morte, quanto pelo motivo pelo qual sua família decidiu deixá-lo em terras potiguares. Com a discussão, ficaram lacunas na História que deixaram margem para suposições que ganharam ares de verdade com o passar do tempo. 

Lápide em estilo americano no túmulo de Thomas N. Browning - foto: Natal Antiga em Foco (2023).


Sempre me deixou intrigado o fato de os restos mortais do Sargento terem ficado em Natal, mesmo após a repatriação dos demais americanos sepultados no Rio Grande do Norte e em outras regiões do Nordeste. Em alguns textos na internet é possível encontrar basicamente duas teorias: a primeira diz que Tom Browning, como era chamado pelos amigos, fora deixado em terras brasileiras pela sua família pois ele teria morrido de uma doença venérea e, envergonhado, seu pai não quis repatriá-lo. A segunda diz que os restos mortais do americano fora deixado em solo potiguar a pedido de uma misteriosa noiva, tendo o pedido atendido pelo pai do militar.

Encucado com isso, decidi tentar sanar de vez essa história e comecei uma pequena pesquisa, tanto por materiais publicados aqui no Brasil, quanto em instituições americanas, como a Biblioteca do Congresso e também no History Hub, um site de apoio a pesquisas e pesquisadores em diversas áreas. Nesta pesquisa, após uma longa espera de dois meses, fui finalmente respondido e recebi um arquivo com 163 páginas contendo extensa troca de correspondências entre o pai de Thomas, John K. Browning, e representantes militares dos Estados Unidos, o consulado americano em Natal, e até com o Dr. Protásio Melo, professor de Inglês na Sociedade cultural Brasil - Estados Unidos e foi professor de português do sargento Browning. Através destas correspondências é possível tirar algumas conclusões sobre a curiosa história do último militar americano a permanecer sepultado em solo potiguar. 

A família do Sargento Thomas N. Browning.

Thomas Nonnez Browning nasceu em Cincinatti, Ohio, em 15 de junho de 1921, era filho do Major John Keith Browning (1887 - 1959), veterano da I Guerra Mundial, e de Marie Nonnez Browning (1891 - 1961). Ele tinha dois irmãos: John Keith Browning Jr. (1918 - 1979) e James Randolph Browning (1925 - 1966).

A causa da morte.

Um dos grandes motivos de especulação acerca do Sargento Browning era a causa de sua morte. Ao longo dos anos divulgou-se a ideia de que ele teria morrido em decorrência de uma doença venérea contraída em um dos tantos cabarés da capital potiguar, sendo esse, inclusive, o motivo pelo qual seu pai decidiu deixá-lo aqui ao invés de repatriá-lo. De família conservadora, dizem, o pai teria ficado envergonhado com tão desonrosa morte e não quis repatriar os restos mortais do filho, evitando a vergonha.

No entanto, no atestado de óbito realizado na base de Parnamirim em 24 de julho de 1943, a causa da morte registrada foi pneumonia. No registro de falecimento realizado pelo departamento de guerra dos Estados Unidos da América, bem como no livro "Brazil and the United States during World War II and Its Aftermath: Negotiating Alliance and Balancing Giants" de Frank D. McCann, é citada como causa da morte uma meningite. Agora, não é possível precisar se a meningite surgiu em decorrência da tão falada doença venérea ou se foi contraída em decorrência da pneumonia.

Meu palpite é que o Sargento deu entrada no Hospital com desconfortos relacionados à pneumonia e contraiu meningite no Hospital da base. Como nos diz Lenine Pinto em seu "Natal, USA - II Guerra Mundial: a participação do Brasil no teatro de operações da América do Sul", eram realizadas diariamente pela Cruz Vermelha americana, em um pronto-socorro instalado na Av. Tavares de Lyra, inspeções de saúdes com as garotas dos cabarés, a fim de identificar e tratar doenças venéreas. As que tinham parecer favorável em sua inspeção tinham as carteiras de habilitação sanitária atualizadas e eram liberadas, as demais ficavam em tratamento e acompanhamento pelas enfermeiras norte-americanas. 

A relação do Sargento com o seu pai.

Em torno desta teoria da doença venérea, fala-se que o pai do Sargento Browning teria decidido deixá-lo em terras potiguares pela vergonha relacionada à causa da morte do filho. As correspondências enviadas por ele provam o contrário.

Em carta de 22 de fevereiro de 1944, endereçada ao Cel. Jonathan D. Hawkins, Chefe da seção de registros da II Guerra Mundial, ele diz:

"Tom era um dos três garotos no exército. Ele e eu tínhamos uma ligação particularmente estreita. Eu era muito interessado em tudo que dizia respeito a ele e tão orgulhoso dele e de seu bom histórico Tom foi um bom soldado."

Quase um ano após a morte do filho, o Major John Browning ainda falava com muito orgulho do Sargento Browning, e isso é recorrente em outras cartas também. Em uma delas, inclusive, John fala que é considerado uma pessoa durona, mas isso cai por terra quando ele fala de seu filho Tom. Portanto, cai a teoria de que Tom teria sido deixado em Natal por vergonha que seu pai poderia ter dele. 

O começo da História.

A História da permanência de Thomas N. Browning começa meses após a sua morte. Entre formulários, registros e muitos outros documentos, John Browning - ainda na carta citada acima - informa que seu filho estava sepultado no cemitério do Alecrim, "um cemitério muito antigo daquela cidade", juntamente com outros americanos, e cita que um certo jardineiro de nome Valentim estava cuidado das flores do túmulo. Ele questiona ao Coronel se poderia providenciar uma lápide em mármore para ser posta no túmulo de Tom, uma simples, mas que fosse permanente. A resposta veio em 4 de abril de 1944, onde um Coronel Harbold informa que, devido à característica temporária do espaço dedicado aos americanos no cemitério do Alecrim, não seria possível permitir a colocação de uma lápide permanente na sepultura de Tom, mas que em breve os restos mortais dele e dos demais americanos seriam repatriados. Em 13 de abril de 1944 John Browning responde agradecendo às orientações, e aguardaria o fim da guerra para saber como deveria proceder sobre o tema. 

Em 1º de novembro de 1946 John Browning recebe correspondência enviada pelo Major-general T. B. Larkin, informando que o departamento de guerra dos EUA estava autorizado a iniciar o processo de remoção, às expensas do governo, dos restos mortais dos americanos sepultados no nordeste brasileiro e em outros cemitérios temporários. A resposta do Sr. Browning foi enviada em 7 de novembro de 1946, sendo esta a primeira vez em que ele externa o seu desejo de deixar os restos mortais do filho em Natal, desde que os cuidados com o seu túmulo não fossem negligenciados. Caso contrário, afirma, preferia que os restos mortais de seu filho retornassem aos EUA. Em resposta, lhe foi informado que era possível manter os restos mortais de Thomas no Brasil, mas que isso poderia envolvê-lo em negociações diretas com governos estrangeiros para supervisionar o processo. 

Em dezembro de 1946 foi enviado um formulário ao pai de Tom para que ele preenchesse informando o que gostaria que fosse feito com os restos mortais de seu filho. Juntamente com o formulário preenchido, John Browning enviou duas cartas, uma reiterando que os restos mortais do filho não deveriam ser retirados do cemitério do Alecrim, e a outra explicando suas motivações. Entre cartas enviadas aos representantes militares dos EUA, John Browning também esteve em contato com Protásio Melo, providenciando a compra do terreno no cemitério do Alecrim e a colocação de uma lápide permanente no túmulo de Thomas Browning. Para isso, ele enviou US$ 150.00 para que Dr. Melo cuidasse de tudo. Também solicitou ao departamento de guerra o envio, para Protásio, de uma lápide no padrão militar americano, para ser colocado também no túmulo de seu filho, porém esta foi negada uma vez que ele já providenciara uma lápide para o túmulo. Mais tarde fora colocada uma lápide em mármore branco, com a identificação do Sargento e de sua guarnição militar.

A carta onde ele explica as motivações para decidir deixar os restos mortais do filho em Natal corroboram a teoria de que isso partiu de um pedido de sua noiva, e desmentiu algumas especulações existentes sobre o tema. 

Nesta carta em especial ele fala com orgulho de seu filho e de sua admiração pelo exército americano, sendo ele um veterano da Primeira Guerra Mundial. Além disso, cita nominalmente Inês Dubeux Dantas e o quanto ela estava inconsolável com a perda de Thomas. Também, em outras cartas ele sugere que seu filho teria expressado seu amor pelo Brasil, e que pretendia permanecer em terras brasileiras após a guerra, e por isso estava aprendendo o português. Fez amigos na capital potiguar e era muito querido por eles e, por isso, John Browning teria decidido por deixar seu filho sepultado em Natal.

Isso vai de encontro, inclusive, com o que diz Lenine Pinto em seu livro. Ele afirma que Inês Dubeux Dantas era a noiva misteriosa do Sargento Browning, e que após a sua morte ela nunca mais se casou. Além disso, derruba a teoria de que a noiva do sargento era uma norte-americana. Ela era potiguar.

Após isso, John K. Browning atende à toda uma burocracia do governo americano para formalizar seu desejo de deixar seu filho em Natal, isentando inclusive o governo americano de qualquer responsabilidade, além de tentar incansavelmente conseguir uma lápide americana para o túmulo de seu filho. Também mantém contato com Protásio, sendo ele o responsável por arranjar todo o trâmite da aquisição do túmulo e fabricação da lápide. 

E assim é a história por trás da permanência do Sargento Thomas N. Browning no cemitério do Alecrim: o pedido de uma noiva apaixonada, inconformada pela perda de seu amado, que fora atendida pelo pai orgulhoso, respeitando o desejo de seu filho de permanecer na terra que o acolheu e que ele aprendeu a amar. Nada de vergonhoso, nada de misterioso, somente uma história de amor. 


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